terça-feira, 26 de junho de 2012

Permanência

Olha lá, a borboleta em cima da planta batendo a asa.
Beleza que não pede permissão
e independe de minha percepção
pra se realizar.
Sutileza que é bonita e se assusta
   basta um passo em falso.
Agora se fecha duas em uma só asa
   Sequer precisa de duas
   Sequer precisa de olhos
dos meus olhos para existir.
Tantos voos perdidos no espaço
olhares centrados
caminhos traçados
suspiros imunes
e bastou um estalo
  entre minhas palavras
e outros casos
  para a borboleta (enfim)
            Voar.






* a permanência de uma borboleta é o tempo de um poema ou o tempo de um poema é a permanência de uma borboleta?

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Guru cotidiano


Olha só, o esquema é o seguinte, não adianta choramingar, recorrer aos santos, tirar as cartas. Ou vai, ou fica, não da pra parar no meio, não da pra ficar parado.

Entende uma coisa, o mundo é grande, a estrada é longa, e o tempo é curto. Não só curto, como voa. Tem muita coisa bonita, tem muita gente legal, mas não da pra fechar os olhos.

É mão no bolso e pé na estrada.

Mas e se os ventos estiverem fortes, as ondas permanecerem bravas e a placa apontar pra direção errada?
Não importa. O negócio é andar, pode parecer estranho no começo, pode dar um arrepio, uma preguiça. Mas a vida é movimento. Tem dias que vai chover e dias que o céu vai ficar azul até a noite, é normal. 

Pessoas também são fluxos. Alguns são eternos, outros intensos e um nunca pode se dizer melhor do que o outro.

Você pode buscar a verdade, e até deve fazer isso. Pela busca, não pelo domínio. Mas as vezes é melhor não descartar o clichê, tem horas que é melhor até não questionar.

O vestígio fica pra quem sente. Não é a toa que o desafio do homem é voar.

domingo, 24 de junho de 2012

tudoémágica


Tudo é mágica. A realidade não gosta de mim, não acredito nela.

Acredito nos sonhos e no cheiro de coisa boa começando. Acredito nas mãos suando e no frio na barriga. No som que gera impulso, na frase de impacto. O quase sempre me pareceu mais poético.

As coisas comigo tem que ter título e trilha sonora. Não basta existir. Tem que ser.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Lente


Tava com uma sensação estranha de estar indo pro lugar errado, e a rua estava escura e vazia e silenciosamente insuportável. E a porta estava meio aberta, e por mais que perguntasse, não sabia que dia era hoje. Curioso, que a cada dia que investigava, o dia também mudava. Mas se os dias são todos tão diferentes por que diferenciam-se pelos números? Protesto.

Vamos diferenciá-los por palavras. E então, quando o sujeito perguntar: Que dia é hoje? Podemos responder simplesmente: amargo. ou doce. ou sujo. ou ralo. ou tudo. ou sábado.

Ela insistia naquele cheiro e ouvia, mesmo que por chiado, meu nome ser chamado. Pimenta sempre teve uma textura tão estranha, ela dizia e eu respondia, não, não, a textura da pimenta sempre existiu, é o seu toque que não combina com o dela e ela respondia, então tá, o problema sempre sou eu.

Engraçado que naquela época eu usava óculos, e agora, de repente, não uso mais. Engraçado também, que não passei a enxergar melhor depois disso,pelo contrário, tudo fica cada vez mais embaçado e longo, mas não me importo, e sequer deixo a testa franzida para tentar enxergar melhor. Lembro daquela galeria, tinha um aspecto quase mágico, quase místico e as pessoas andavam de um lado pro outro e ela puxava minha mão e dizia ei, olha pra cá e eu olhava e sempre via uma coisa nova que nunca tinha visto antes.

Ás vezes tento entrar de novo, mas desisto. Acho que as coisas novas acabaram. Esgotaram-se. Fundiram-se com o infinito. Nem me vem dizer que isso é inferno astral que eu não acredito nessas coisas. Tá me olhando assim por que? Não acredito mesmo. Tranquilize-se, não serei mais um daqueles que diz “Não acredito mais em nada”. Que bobagem. Papo tolo. No nada eu ainda acredito, mas é claro. Também não sou tão cético assim.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Sono


Diga-me onde se esconde, se vives assim, fugindo talvez
Ou se ama a noite, quem sabe
Á ponto de abandonar-me
e deixar-me sozinha
cara a cara com ela
Oh, dama das contradições reluzentes
você, cavalheiro das luzes negras
Por que se ausentas de mim?
Despreza-me enquanto rogo sua presença
Não me deixe
Venha logo
Bailando sutil no mundo dos sonhos
Tão presente quanto irreal
Vívido e translúcido

Oh, sono.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Mofo

Acho bom.
Acho ótimo.
Acho i-na-cre-di-tá-vel.
Acho também uma pena pensar tudo isso e não escrever, mas o quarto estava frio demais e o que eu fazia lá?
Sim, eu sabia, sabia muito bem, mas é claro.
Era meu aquele quarto frio, era frio aquele quarto meu.
Misturava tudo e não estava nem aí, tinha tanto livro na estante que as vezes me pegava lendo Osho e Van Gogh, A história de O e o Pequeno Príncipe e mesmo assim, tudo se mesclava e fazia sentido, ora e por-que-não.
Por que não dar um pulo lá e falar com aquele pessoal, tudo parecia assim, meio preto e azul e eu tinha muita pena, muita pena de quem não podia ser chamado de louco sonhador alucinado.
 Sempre detestei quem transcrevia texto colocando reticencias no meio [...]. Por que aquele band-aid era menos significante? Por que era de uma multinacional, é isso? É claro que você vai dizer que estou viajando, é o que você sempre diz e que se foda todos seus prólogos e historinhas desprezíveis e escatológicas.
Não, eu não quero plenitude porra nenhuma, deixa só eu sair um pouco daqui que eu te explico melhor o que aconteceu. Mas é uma pena. Que o quarto estava frio e a caneta estava longe.

sábado, 16 de junho de 2012

Tava meio escuro
porque inteiro é sobrenome
tudo é metade,
esse eco que escoa
e eu só buscava o silêncio
ou um barulho que entrasse em mim e silenciasse
será que os maus são melhores?
Mas que revelação íntegra
mas que justiça falha
que se cega quando mais nada cala
milhões, inúmeros números desgovernados
quinhentos gritos abafados
e os cacos
de pele, de olhos, de luz, de tombos
do ontem
que não passa.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Uma ânsia


Uma ânsia. Que só engasga porque prende
e embrulha
transborda por não saber onde desmanchar
E fascina assim os olhos que ainda desprevenidos
não sabem direito pra qual lado olhar
Tantas pérolas escorrendo
quantas quedas transcendendo
todo o tudo que parecia já no alcance
e suspeito, de relance
descara tanto que já não sei mais.

quarta-feira, 13 de junho de 2012


Olha só, uma luz brilhou agora, tenho certeza, são muitas e brilham o tempo todo aqui na pontinha do olho, tem um apito também, é o apito do palhaço que ressoa no ouvido desde os tempos de carnaval, porque o baile acabou, a molecada diz que não mas acabou sim senhor, não tem mais saudade, não tem mais amor, tem só essa vingança que sacode no peito, mas veja bem, não estou errado, nem ao avesso, nem com o tato alterado, mas é que tudo tá mais áspero ultimamente e os ponteiros indicam que não passou tanto tempo, só aquele fininho, que ligeirinho, corre demais

terça-feira, 12 de junho de 2012

Volta


Olha esse tempo
esse vento que passa
enquanto os relógios se enforcam
Trezentas e duas declarações escarradas
despedidas depenadas
em confabulações juvenis.
Alma de velho tem meu novo cão
que nasceu ontem e já fraqueja
tem o livro torto que boceja
tem o sorriso desfeito que tormenta
Tem o que, tem é nada
Nasce essa cara imunda
pronta pra ser lavada
Floresce esse mundo tonto
que foge
fuga
volta
mas é redondo.

domingo, 10 de junho de 2012

Batida


Tão rápido e sutil como as coisas boas que passam
Um canivete na mão do pivete, uma tela na mão do pintor
E os círculos correm soltos entre os presentes
O suspiro que seria batida
A besteira que mudaria a vida
E o suspense que persiste.
No transitório, incalculável
Olha o cheiro de água doce correndo nas veias
Percebe a cor que multiplica
o preto-e-branco das palavras
O mundo é sustento, movimento
não-fazer acontece
Mas a magia tá no que anda
e desanda
pra não parar.

sábado, 2 de junho de 2012

O que sobrou do céu



 “É a última estação do metrô.” Isso era tudo que eu sabia antes de conhecer a Pavuna. Um dia antes a Patricia, nossa produtora de milagres, me liga para avisar que as crianças são muito,muito agitadas. Desobedientes, talvez? Não tem problema, como diz Osho: “Os obedientes nunca são brilhantes”. Mas é preciso estar preparado.
 No dia seguinte, uma agitação tomava conta de todos nós. Quem sabe, era esta mesma agitação que pertencia a eles, mas que por um fluxo qualquer, nos alcançava. Terça feira. Os filósofos da vez era eu, Gabriel e Renato.  Quarenta e cinco crianças. Noventa olhos curiosos. E energia, muita energia.
 Quinze crianças vão com o Renato, que tinha preparado uma atividade com vendas e truques de mágica e trinta vão comigo e com o Gabriel. Perfeito, o que a gente faz agora? Antes de mais nada, vamos nos sentar em roda. “Filosofia tem a ver com matemática?” Alguém pergunta. Aproveitando de uma resposta quase pessoal, respondo. “Não, filosofia é a ausência de matemática.” Resposta controversa. Mas as crianças gostaram, com raras exceções, minha fala recebe uma série de aplausos.  Contrariado, o outro professor (há esta hora já havíamos nos tornados professores) pergunta: “Vocês estão aplaudindo o que?”.
“A gente odeia matemática.” Eles respondem. Num misto de anarquia e ansiedade, de atenção dispersa e curiosidade constante, o primeiro assunto que consegui abordar foi o medo. E quantos relatos, quantas questões surgiam! O que difere o medo da morte do medo da barata? Do que você tem mais medo? Não tem medo de nada? O que é medo?
No dia seguinte, uma surpresa. Crianças felizes, nos recebendo com sorrisos e abraços, prontas e dispostas para continuar investigando o conhecimento.  Naquele momento, não eram mais simplesmente crianças, não eram “todas elas”, era cada uma delas. Cada uma com seu jeito, sua vontade, sua verdade. É preciso perceber. Não era eu quem segurava suas mãos, eram elas que me levavam. Para onde quiserem. Não estava determinada a comandar o voo, estava disposta a voar com elas. E que viagem! Quantos talentos, quantas ideias que nenhuma pessoa grande sonharia em ter, quanto brilho, quanta vida!
As atividades fluíam, curiosamente, com uma organização natural e não imposta. Os momentos eram fruto da vontade, e não da obrigação. Foram três dias de descoberta, no último, os alunos escreveriam quatro frases para colocarmos em quinhentos balões vermelhos e jogar aos céus. O resultado foi emocionante, a cada papelzinho, um novo arrepio tomava conta de mim.
Terminada a atividade, os alunos não queriam embora da escola. Parece milagre, mas é bom senso. E um aperto já tomava conta de mim. De todos nós. Filósofos e crianças, crianças e filósofos, há este momento já não havia tanta diferença entre os termos. No dia seguinte, soltaríamos os balões. Nossos pensamentos iriam voar!
Sexta feira, último dia. Nos perguntávamos como seria na semana seguinte, sem o despertador tocando cedo, sendo útil e desnecessário, quando a própria vontade já nos despertava. Não vamos mais descer na última estação, onde olhos brilhantes nos descobrem e bocas falantes já sabem nossos nomes? E as mãozinhas agitadas que agarravam as minhas, dando impulso e me ajudando a voar, reconstruindo em mim a leveza que as pessoas grandes costumam perder.
Mas entregamos tantos balões e presenciamos tantas ideias nascendo, que para mim, descobrir o que sobrou do céu foi tarefa fácil. Não estava distante, no alto. Estava em cada sorriso curioso que brotava feito planta do meu lado. Nascia perto, junto.
Antes de ir embora, pergunto para um aluno. “Se você tivesse que escolher só uma matéria, qual você escolheria?” Muito convicto, ele responde “Filosofia.”
Os balões tomavam conta do céu. Missão cumprida. A primeira parte dela, é claro.

“As crianças não precisam de ajuda, precisam de amor.” Osho