terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Sexto

Mesmo tudo que é tão pequeno e ingenuo
mesmo tudo que já passou
mesmo um amor
um segundo
mistura-se à uma complexidade de si mesmo
e desfaz lento qualquer vestígio de tempo
não há sequência nenhuma em mim
sou o torpor de viver em mim mesma
o fervor e a satisfação também
é que tudo
uma mistura de você
e aquele outro
que sobrou em mim
mesmo um por do meu sol
mesmo um retrato inteiro
sendo assim, tudo que há
tudo que houve em meu mundo
tudo que ainda pulsa em mim.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Tambor

Eu sei que aqui dentro mora um sujeito estranho que se revolta com tudo
e antes de nascer
fez um pacto com a loucura
que é pra ver se doía menos antes de bater.
Ele se contrai e sufoca todo o resto,
altera o corpo inteiro
e coloca a culpa no mundo.
"Esse mundo imundo
que não aceita
nem foi feito pra mim"
Ele acha que todo o resto é descartável
e só há em si próprio algum vestígio de realidade.
O problema é que não se contenta em se fazer tambor
então vira alegoria
vira bateria e caverna
ás vezes transborda, ás vezes estranha
mas nunca seca.
Aí coloca uma capa
refaz a máscara que compõe o pacto
foge de tudo, encara precipícios
refaz infortúnios e constelações
mas de todo resto
é só amor.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Caso de amor e morte


Tem uma pessoa que passa o tempo comigo. Quero dizer, dividimos nossa insônia. Não-dormimos juntos.

Declaro de antemão que este "não-dormir" está ausente de erotismo, pois é possível que nosso contato, nem visual tenha sido.

Mas é interessante, pois sentimos o mesmo vento e eu ouço, já faz tempo, o som de sua televisão vazia. Você pode me dizer que talvez ele esteja dormindo e eu lhe direi que não, e direi isso não porque sei, mas porque sinto.

E digo mais, é sozinho.

Mesmo que haja companhia em sua cama, dorme sozinho.

Posso ver daqui seu olhar distante, trocando sem intenção os canais no controle remoto, agora acompanhados pelos sininhos que comprei recentemente, daqueles que se coloca na janela e balança com o vento.

Aposto que de vez em quando, sente também o cheiro dos meus incensos aceita o blues que toca como presente ou oferenda. E sabe, definitivamente sabe, que todo esse conjunto de coisas, desconexas e malucas, brotam de mim mesma traçando o caminho do meu quarto ao seu.

Descarto a possibilidade de já termos nos encontrado, e se pudesse escolher, nunca o faria. Mesmo que fosse rápido, pequeno e que não o soubesse.

Mesmo assim, morreria.

É que todo personagem

morre assim, meio fundo

toda vez que caminha e se depara

distraidamente

com o autor que o escrevia.


domingo, 2 de dezembro de 2012

Indesejo

Esse grito intrínseco
que impõe pra dentro
silencia qualquer manifestação anti-cotidiana
O pior é essa vontade estranha de sentir com cautela
e isso não há, nem haverá, ora
O que há é o romper o chão e esse seu medo
de se quebrar toda de novo
de achar que mais uma vez é demais
que você não aguenta
não é capaz
então se sufoca assim, colecionando medos
repaginando telhas
e vive nesta superfície falsa e comoda
mas que infortúnio é essa limitação humana!
Bastaria a verdade e mais nada
essa sem suposição no futuro
esse que há e não mais
mas tem de haver controle
há de haver palavras certas
e olhares comedidos
Nada que transmute muito a limitação humana
mas que indesejo
que desejo
de desejar
sem a náusea do medo.