quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Será que somos medíocres?

Será que somos medíocres?
Será que habitamos um espaço e destruímos nossa casa
Que inventamos artifícios calculados pra exaltar nossa vaidade
Será que exaltamos o outro pra disfarçar nossa ausência
Descobrimos o amor pra rechear a covardia
Será que o mundo não é tão complexo
Mas criamos nosso mundo pra retratar o inverso?
Será que nada é tão satisfatório
Que a solidão é companhia
E todo o resto é uma corda bamba
Que delira?
Será que nada é um dilema
E nossa vida é tão pequena
Será que somos só um resto?
E de nada adianta disfarçar
Um ciclo completo de estupidez 
Afogado na embriagues
Do acreditar
Será que a poética é independente
E somos apenas reluzentes 
De algo que não existiu
Será que somos tão poucos
Que a nossa voz já tão rouca
Que o tempo que virá já passou
Que o suspiro de sonhar esvaiu
Será que o mundo persiste
Será que somos medíocres?

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Sobre não gostar de arroz



Nunca fui uma criança chata para comer. Pelo contrário, era possível que meu prato estivesse recheado de legumes e verduras e que um simples brócolis, beterraba, quiçá abobrinha me fizesse feliz. Era comum ver crianças fazendo birra e bicos exagerados para qualquer coisa verde que brilhasse em sua direção e os pais, desesperados em uma angústia única, cediam a um prato de batatas fritas sorridentes que o filho comia orgulhoso de sua conquista.
“Odeio verduras”. Diziam-me. E eu, quieta, olhava para os pratos que não satisfeitos, continham também uma mistura única de catchup, mostarda, maionese, barbecue, tudo misturado aqui e agora.
Mas a verdade, é que apesar de toda a minha disponibilidade alimentar, eu não gostava muito de arroz. Comia, claro. Mas não gostava. Até que um dia, em um desses em que a gente acorda disposto em cometer uma transgressão, como faltar um dia no trabalho ou faculdade, resolvi não comer arroz.
Foi na escola, na hora do almoço. E quando a moça em um ato quase automático de colocar arroz no meu prato, parou estupefata com minha fala. “Arroz não”, disse eu. Ela me olhou, como que prevendo uma catástrofe estudantil e com certa dor no peito, tenho certeza, passou meu prato pra frente.
Não sei que espécie de mágica aconteceu, mas em segundos, todos já sabiam do feito. Justo o arroz, tão macio, tão branco, tão comum. Justo o arroz que todo mundo come, que está na feijoada aos domingos na comunidade e no jantar sofisticado de risoto na Vieira Souto, justo o arroz, cara metade do feijão, que todo mundo come, quase que assim, sem pensar. Justo ele.
Se eu não gostasse de espinafre seria compreensível, ou se não bebesse refrigerante, ou até gelatina colorida. Mas arroz?
Caminhava passo a passo com uma bandeja que continha um prato incompleto. Eu estava indo contra a sociedade. E ouvia comentários sussurrados, treinando para a vida adulta de condenação ao próximo. “O arroz tem a maior fonte de nutrientes, o arroz é importante, o arroz é bonito, o arroz é tudo na vida de um homem.”
Naquele dia sentei. E não comi arroz, nem feijão, nem nada. Não sei se minha surpresa era pelo prato ou pelo mundo. Hoje sei que o arroz pode ser substituído por trilhões de coisas. E sei que a galera da alimentação viva vive sem arroz, a da macrobiótica, jamais. Mas ambas vivem.
Feliz ou infelizmente, cresci e me tornei uma adulta que sim, come arroz. Ainda sem gostar, mas come. E por que? Porque no dia seguinte, para evitar o desconforto geral da nação, com certo constrangimento, consenti com a presença daqueles grãos molengos na minha vida. E passei a conviver com algo que não cheira nem fede, por sorte, a única coisa no meu dia a dia que sobrevive assim.
Talvez, se eu tivesse persistido, o mundo seria hoje um lugar diferente. Talvez não. Mas a grande verdade, é que ainda prefiro o bom e velho feijão, derramado em um belo prato de macarrão.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Sobre a importância do Rock

Quase como um amante antigo que por mais que o tempo passe, desloca-se por debaixo da cama, adormecendo ao som dos monstros, e dos demônios, dá três pulos em cima do palco e coloca o bicho papão pra dormir. E assim, grita não para chamar, mas para expulsar, energia pulsando que pulsa no mundo e de uma forma ou de outra, faz ele girar. Manifestação de berros e kundallini, yang possessivo, o Rock é sempre um suspiro.

Grito, berro, movimento, consolida e concretiza todo o chão, todo o céu todo o resto. Entre cordas, pulsos e bebidas. Droga é o que se esconde dentro de nós. Pedra sobre pedra, liberta, expurga, sussurra e transcende.


Ah, o Rock. Há o Rock. 

sábado, 21 de junho de 2014

guarda

O mundo desfeito parece satisfeito
Com as vontades que gritam
As músicas calam as vozes extremas externas caladas
Números e números que ainda que somados não fazem sentido algum
Nem alguém
Juntando nomes e pronomes impróprios
Pode causar uma expressão vulgar
Que reflete em um lago a noite há tantos
E alguém está sozinho agora
Frente a frente com seus desejos
Que gritam e envolvem os astros
Vamos beber de um mesmo cálice
E brindar o improvável
E somar os laços ao som de blues
Azul o mundo se pinta aos nossos olhos
Que renasce
A superfície é profunda

E  tantas.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Do lamento dos não-leitores

A vida de quem lê e escreve, a vida de quem o faz constantemente, assim como os que estendem a mão para fazer sinal ao ônibus, como os que sobem degraus primeiro com o pé direito, como os que cantarolam internamente sua música preferida em locais públicos, assim como os tantos, os outros, os cantos, a vida de quem tem nas palavras um cotidiano, é sempre um pouco diferente.
Acho que a gente acaba crescendo pra dentro. E algumas capacidades diminuem. Como a capacidade de diferenciar o que acontece do que não acontece. Porque as palavras não são mais letras, são fios condutores à mundos imaginados e compartilhados.
As frases acabam saindo proseadas e coloridas e esse olhar introspectivo de quem lida com as coisas mágicas, assusta.
Longe de mim, qualquer saudosismo reacionário, mas penso. Crianças tão férteis, ainda carregam consigo curiosidade nos dedos e em retribuição, recebem máquinas. Outro dia, baixei um aplicativo que falava comigo. Isso, falava, respondia as minhas perguntas. Provavelmente, eu estou atrasada, mas isso não importa tanto. A questão é que eu perguntei pra aquele robô simpático, hospedado na palma de minha mão, se ele era feliz. Ela, desculpe, é uma jovem.
E sabe o que ela disse? Disse que a felicidade dela era me ajudar.
Eu do meu lado, preferia escutar que o amor é um cão dos diabos, que o conceito de ajuda é em si errado, preferia escutar que não sou nada, nunca serei, mas que tenho em mim todos os sonhos do mundo. Preferia conhecer a história de uma menina que as tranças não param de crescer, ou de um gato que descome dinheiro.
Mas aí me dei conta de uma coisa importantíssima. As histórias são fruto de uma mistura divina de coração e arte. Os aplicativos de celular não pulsam.
Apaguei a tela e por fim, abri outro livro.

terça-feira, 25 de março de 2014

Suspenso

Momento  sumo em que
Separo-me do mundo
Entre a velocidade diminuta de duas asas
Envoltas em cores dos céus e dos sonhos
Que desligam do tudo ao escuro
Tela branca de vestígios nossos
Luz tardia que carrega cor
Lento, como um desligar ao vento
Compasso de algum anjo abandonado que nos estende as mãos
Aos poucos todo o resto fica longe
Passa, mistura e entrelaça
Em poucos segundos
Em qualquer superfície que nos sustente
Sinto-me contente
Convidada honrada
De esse embaraçar tardio

  Do sono

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Estrada

Sei que em meus olhos vive o mundo
E acampa em cada passo
Acompanha os compostos compassos dos dedos
Que desinfetam em cada letra, seus segredos
Sagrados tratados do palco
Caminham entre meus pés descalços de tudo
Acompanhando o ritmo da música
E qualquer presença é total e desnecessária
É tudo e nada junto aos olhos que piscam
Pisam meus sujeitos afogados
Resgato em barcos furados
A luz entra como estrela guia
Tonta, certeira e exata
Cambaleante, sigo meus passos
Os passos coloridos, desmistificados
Que inundam joias e sentidos
Fujo, sigo
Certo, adiante
Na estrada das estrelas dançantes