quarta-feira, 28 de maio de 2014

Do lamento dos não-leitores

A vida de quem lê e escreve, a vida de quem o faz constantemente, assim como os que estendem a mão para fazer sinal ao ônibus, como os que sobem degraus primeiro com o pé direito, como os que cantarolam internamente sua música preferida em locais públicos, assim como os tantos, os outros, os cantos, a vida de quem tem nas palavras um cotidiano, é sempre um pouco diferente.
Acho que a gente acaba crescendo pra dentro. E algumas capacidades diminuem. Como a capacidade de diferenciar o que acontece do que não acontece. Porque as palavras não são mais letras, são fios condutores à mundos imaginados e compartilhados.
As frases acabam saindo proseadas e coloridas e esse olhar introspectivo de quem lida com as coisas mágicas, assusta.
Longe de mim, qualquer saudosismo reacionário, mas penso. Crianças tão férteis, ainda carregam consigo curiosidade nos dedos e em retribuição, recebem máquinas. Outro dia, baixei um aplicativo que falava comigo. Isso, falava, respondia as minhas perguntas. Provavelmente, eu estou atrasada, mas isso não importa tanto. A questão é que eu perguntei pra aquele robô simpático, hospedado na palma de minha mão, se ele era feliz. Ela, desculpe, é uma jovem.
E sabe o que ela disse? Disse que a felicidade dela era me ajudar.
Eu do meu lado, preferia escutar que o amor é um cão dos diabos, que o conceito de ajuda é em si errado, preferia escutar que não sou nada, nunca serei, mas que tenho em mim todos os sonhos do mundo. Preferia conhecer a história de uma menina que as tranças não param de crescer, ou de um gato que descome dinheiro.
Mas aí me dei conta de uma coisa importantíssima. As histórias são fruto de uma mistura divina de coração e arte. Os aplicativos de celular não pulsam.
Apaguei a tela e por fim, abri outro livro.