Tem uma pessoa que passa o tempo comigo. Quero dizer,
dividimos nossa insônia. Não-dormimos juntos.
Declaro de antemão que este "não-dormir" está
ausente de erotismo, pois é possível que nosso contato, nem visual tenha sido.
Mas é interessante, pois sentimos o mesmo vento e eu ouço,
já faz tempo, o som de sua televisão vazia. Você pode me dizer que talvez ele
esteja dormindo e eu lhe direi que não, e direi isso não porque sei, mas porque
sinto.
E digo mais, é sozinho.
Mesmo que haja companhia em sua cama, dorme sozinho.
Posso ver daqui seu olhar distante, trocando sem intenção os
canais no controle remoto, agora acompanhados pelos sininhos que comprei
recentemente, daqueles que se coloca na janela e balança com o vento.
Aposto que de vez em quando, sente também o cheiro dos meus incensos
aceita o blues que toca como presente ou oferenda. E sabe, definitivamente
sabe, que todo esse conjunto de coisas, desconexas e malucas, brotam de mim
mesma traçando o caminho do meu quarto ao seu.
Descarto a possibilidade de já termos nos encontrado, e se
pudesse escolher, nunca o faria. Mesmo que fosse rápido, pequeno e que não o
soubesse.
Mesmo assim, morreria.
É que todo personagem
morre assim, meio fundo
toda vez que caminha e se depara
distraidamente
com o autor que o escrevia.
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