Nunca fui uma criança chata para comer. Pelo contrário, era
possível que meu prato estivesse recheado de legumes e verduras e que um
simples brócolis, beterraba, quiçá abobrinha me fizesse feliz. Era comum ver
crianças fazendo birra e bicos exagerados para qualquer coisa verde que
brilhasse em sua direção e os pais, desesperados em uma angústia única, cediam
a um prato de batatas fritas sorridentes que o filho comia orgulhoso de sua
conquista.
“Odeio verduras”. Diziam-me. E eu, quieta, olhava para os
pratos que não satisfeitos, continham também uma mistura única de catchup,
mostarda, maionese, barbecue, tudo misturado aqui e agora.
Mas a verdade, é que apesar de toda a minha disponibilidade
alimentar, eu não gostava muito de arroz. Comia, claro. Mas não gostava. Até
que um dia, em um desses em que a gente acorda disposto em cometer uma
transgressão, como faltar um dia no trabalho ou faculdade, resolvi não comer
arroz.
Foi na escola, na hora do almoço. E quando a moça em um ato
quase automático de colocar arroz no meu prato, parou estupefata com minha
fala. “Arroz não”, disse eu. Ela me olhou, como que prevendo uma catástrofe
estudantil e com certa dor no peito, tenho certeza, passou meu prato pra
frente.
Não sei que espécie de mágica aconteceu, mas em segundos,
todos já sabiam do feito. Justo o arroz, tão macio, tão branco, tão comum.
Justo o arroz que todo mundo come, que está na feijoada aos domingos na
comunidade e no jantar sofisticado de risoto na Vieira Souto, justo o arroz,
cara metade do feijão, que todo mundo come, quase que assim, sem pensar. Justo
ele.
Se eu não gostasse de espinafre seria compreensível, ou se
não bebesse refrigerante, ou até gelatina colorida. Mas arroz?
Caminhava passo a passo com uma bandeja que continha um
prato incompleto. Eu estava indo contra a sociedade. E ouvia comentários
sussurrados, treinando para a vida adulta de condenação ao próximo. “O arroz
tem a maior fonte de nutrientes, o arroz é importante, o arroz é bonito, o
arroz é tudo na vida de um homem.”
Naquele dia sentei. E não comi arroz, nem feijão, nem nada.
Não sei se minha surpresa era pelo prato ou pelo mundo. Hoje sei que o arroz
pode ser substituído por trilhões de coisas. E sei que a galera da alimentação
viva vive sem arroz, a da macrobiótica, jamais. Mas ambas vivem.
Feliz ou infelizmente, cresci e me tornei uma adulta que
sim, come arroz. Ainda sem gostar, mas come. E por que? Porque no dia seguinte,
para evitar o desconforto geral da nação, com certo constrangimento, consenti
com a presença daqueles grãos molengos na minha vida. E passei a conviver com
algo que não cheira nem fede, por sorte, a única coisa no meu dia a dia que
sobrevive assim.
Talvez, se eu tivesse persistido, o mundo seria hoje um
lugar diferente. Talvez não. Mas a grande verdade, é que ainda prefiro o bom e
velho feijão, derramado em um belo prato de macarrão.
Um comentário:
Adorei o site...Parabens pelo magnifico trabalho...
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