Comemorarei a primavera no céu, e buscareinos poetascolo para me deitar.De chão em chão, algum passo há de pisarcores amargas, nostalgia nem suspense, claridade, rebeldia. O que busco não está nos postes, nos deuses, nos tratos está nos transes, nos ritmos, nos cálices. De balão, um só helicóptero vai me salvar aquele que leva pro alto pro nada pra algum lugar. Pois se houvesse uma só lógica! E mil preposições iriam faltar, mas a grama engoleoutro enredo aquele que o medonão quis nem quer calar.
Semana que vem ela está indo morar na Europa, arruma os últimos detalhes, toda convicta, descabelada e lamenta-se por deixar o rapazinho por aqui. Tão jovem, talentosa, vivida, esbanja e floresce tanta energia que mal parece ter sido criada por mim. Talvez sejam frutos de sua mãe, talvez apenas reflexos da vida. E eu permaneço onde estou, percebo-me invariavelmente cansado. Dizem que depois que os filhos crescem, a missão foi cumprida. Então me canso, de cumprir missões, de dar bom dia para o porteiro, de checar mensagens no celular e na caixa do correio. Canso-me de conversar formalmente com minha ex-mulher, simpática, sorridente, segurando sacolas novas que abrigam corpo antigo. Pois não digo nada, corre-se o risco de me sugerirem viagens, aventuras. Difícil dizer que delas também já cansei, feitas ao quadrado, complexas e desnecessárias anos atrás, com tradições e risadas excessivas. Todos riem tanto, aos montes e sabe-se lá de que. Quem sabe, seja essa mania incondicional, de agradecer por ser jovem e viver. Ainda resta vida! Talvez, até em mim. Mas repito que cansei. Cansei do pessoal camarada do trabalho e da quantia exata que entra na minha conta todo mês, das locadoras, porque são duas, e do teatro que costuma lotar as quintas. Esses gritos de diversão na madrugada, as propostas indecentes, mal boladas. Esse todo, esse tudo, esse nada! E de tão quase, resta o instante, tão depressa, calculado. Ah, mas canso e não há lugar! Nem a praia, os jogadores de volei, os hippes, ciclistas, corredores, patinadores, skatistas, todos insistentemente existindo. Não, não penso em me matar. Antes que dominadores, fatalistas, venham me falar. Nem quero abraços, palavras de apoio. O que quero, sei lá! Não preciso querer, não preciso falar. O jornal chega de manhã, o cachorro do vizinho late, aproximadamente cinco minutos antes do despertador tocar. A empregada chega "fiz um café quentinho, doutor". Eu não sou doutor, Marilene, eu não sou doutor. Agora tem mais dois comprimidos que o doutor mandou tomar e uma garota nova, chegou no trabalho e insiste em me olhar. Sabe-se lá.
Muitas vezes e por quase nada penso que um dia foi Mas hoje, feliz, cansada hesito em dispersar meu saber. Que sabe, mas disfarça esquecer e então penso, mas não entendo o que foi aquilo, o que foi você. Será simples, como um triste fim ou discreto, total e incerto como a reviravolta de um filme feito pra mim. Mas é, porque apenas é e o foi, o que sem aspas tinha que ser Sem dúvidas, razões, nem por que aconteceu e delirante, incerta, modesta não faz tanto tempo e já deixei de crer.
Parecia um sonho e se parecia o era como nesse agora outra primavera e se me balançar sem discurso nas palavras vivendo dia soltando o nada De reflexo vem a sombra do sol voando na imensidão que me desloca Suspiro! Um grito! Dois sinais Olha o todo respirando mais um trago o céu brilha e vai guiando.
O mundo despertou antes de mim e perplexo, suspenso deu-me a mão para levantar. Ainda bamba, com calma simples que se acalma a criança suspirei um sonho pra tentar acordar E de súbito enxerguei a vida rosa, azul, amarela de partida Então parti-me em dois pedaços dois braços dois tudo Era o simples e a contradição o recheio, a intencionalidade a imensidão. Ah, mas era quase tudo! Esse meu nosso mundo.
E não há como não libertar-se em um corpo ainda cansado a sensação de ir mais longe, no mesmo lugar noites viram meu dia pois de que importa sequência,analogia! Aqui tudo é vivido com a imensidão e a lucidezde um sonho. Um sonho tantas vezesmal, que lhe acorda do sono e lhe faz chorar. Mas de tantas vezes, por que nãoe sem negar resgata do lugar insatisfeito contínuo, linear que o mundo resiste em se auto denominar. E de nada mais importa o dia passa, as estrelas morrem com as lágrimas mas em algum lugar, perdido na estrada fica a certeza de voltar.