quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Tostão

Semana que vem ela está indo morar na Europa, arruma os últimos detalhes, toda convicta, descabelada e lamenta-se por deixar o rapazinho por aqui. Tão jovem, talentosa, vivida, esbanja e floresce tanta energia que mal parece ter sido criada por mim. Talvez sejam frutos de sua mãe, talvez apenas reflexos da vida. E eu permaneço onde estou, percebo-me invariavelmente cansado. Dizem que depois que os filhos crescem, a missão foi cumprida. Então me canso, de cumprir missões, de dar bom dia para o porteiro, de checar mensagens no celular e na caixa do correio. Canso-me de conversar formalmente com minha ex-mulher, simpática, sorridente, segurando sacolas novas que abrigam corpo antigo.
Pois não digo nada, corre-se o risco de me sugerirem viagens, aventuras. Difícil dizer que delas também já cansei, feitas ao quadrado, complexas e desnecessárias anos atrás, com tradições e risadas excessivas. Todos riem tanto, aos montes e sabe-se lá de que. Quem sabe, seja essa mania incondicional, de agradecer por ser jovem e viver. Ainda resta vida!
Talvez, até em mim.
Mas repito que cansei. Cansei do pessoal camarada do trabalho e da quantia exata que entra na minha conta todo mês, das locadoras, porque são duas, e do teatro que costuma lotar as quintas. Esses gritos de diversão na madrugada, as propostas indecentes, mal boladas. Esse todo, esse tudo, esse nada!
E de tão quase, resta o instante, tão depressa, calculado. Ah, mas canso e não há lugar! Nem a praia, os jogadores de volei, os hippes, ciclistas, corredores, patinadores, skatistas, todos insistentemente existindo. Não, não penso em me matar. Antes que dominadores, fatalistas, venham me falar. Nem quero abraços, palavras de apoio. O que quero, sei lá! Não preciso querer, não preciso falar. O jornal chega de manhã, o cachorro do vizinho late, aproximadamente cinco minutos antes do despertador tocar. A empregada chega "fiz um café quentinho, doutor". Eu não sou doutor, Marilene, eu não sou doutor.
Agora tem mais dois comprimidos que o doutor mandou tomar e uma garota nova, chegou no trabalho e insiste em me olhar. Sabe-se lá.

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