sábado, 2 de junho de 2012

O que sobrou do céu



 “É a última estação do metrô.” Isso era tudo que eu sabia antes de conhecer a Pavuna. Um dia antes a Patricia, nossa produtora de milagres, me liga para avisar que as crianças são muito,muito agitadas. Desobedientes, talvez? Não tem problema, como diz Osho: “Os obedientes nunca são brilhantes”. Mas é preciso estar preparado.
 No dia seguinte, uma agitação tomava conta de todos nós. Quem sabe, era esta mesma agitação que pertencia a eles, mas que por um fluxo qualquer, nos alcançava. Terça feira. Os filósofos da vez era eu, Gabriel e Renato.  Quarenta e cinco crianças. Noventa olhos curiosos. E energia, muita energia.
 Quinze crianças vão com o Renato, que tinha preparado uma atividade com vendas e truques de mágica e trinta vão comigo e com o Gabriel. Perfeito, o que a gente faz agora? Antes de mais nada, vamos nos sentar em roda. “Filosofia tem a ver com matemática?” Alguém pergunta. Aproveitando de uma resposta quase pessoal, respondo. “Não, filosofia é a ausência de matemática.” Resposta controversa. Mas as crianças gostaram, com raras exceções, minha fala recebe uma série de aplausos.  Contrariado, o outro professor (há esta hora já havíamos nos tornados professores) pergunta: “Vocês estão aplaudindo o que?”.
“A gente odeia matemática.” Eles respondem. Num misto de anarquia e ansiedade, de atenção dispersa e curiosidade constante, o primeiro assunto que consegui abordar foi o medo. E quantos relatos, quantas questões surgiam! O que difere o medo da morte do medo da barata? Do que você tem mais medo? Não tem medo de nada? O que é medo?
No dia seguinte, uma surpresa. Crianças felizes, nos recebendo com sorrisos e abraços, prontas e dispostas para continuar investigando o conhecimento.  Naquele momento, não eram mais simplesmente crianças, não eram “todas elas”, era cada uma delas. Cada uma com seu jeito, sua vontade, sua verdade. É preciso perceber. Não era eu quem segurava suas mãos, eram elas que me levavam. Para onde quiserem. Não estava determinada a comandar o voo, estava disposta a voar com elas. E que viagem! Quantos talentos, quantas ideias que nenhuma pessoa grande sonharia em ter, quanto brilho, quanta vida!
As atividades fluíam, curiosamente, com uma organização natural e não imposta. Os momentos eram fruto da vontade, e não da obrigação. Foram três dias de descoberta, no último, os alunos escreveriam quatro frases para colocarmos em quinhentos balões vermelhos e jogar aos céus. O resultado foi emocionante, a cada papelzinho, um novo arrepio tomava conta de mim.
Terminada a atividade, os alunos não queriam embora da escola. Parece milagre, mas é bom senso. E um aperto já tomava conta de mim. De todos nós. Filósofos e crianças, crianças e filósofos, há este momento já não havia tanta diferença entre os termos. No dia seguinte, soltaríamos os balões. Nossos pensamentos iriam voar!
Sexta feira, último dia. Nos perguntávamos como seria na semana seguinte, sem o despertador tocando cedo, sendo útil e desnecessário, quando a própria vontade já nos despertava. Não vamos mais descer na última estação, onde olhos brilhantes nos descobrem e bocas falantes já sabem nossos nomes? E as mãozinhas agitadas que agarravam as minhas, dando impulso e me ajudando a voar, reconstruindo em mim a leveza que as pessoas grandes costumam perder.
Mas entregamos tantos balões e presenciamos tantas ideias nascendo, que para mim, descobrir o que sobrou do céu foi tarefa fácil. Não estava distante, no alto. Estava em cada sorriso curioso que brotava feito planta do meu lado. Nascia perto, junto.
Antes de ir embora, pergunto para um aluno. “Se você tivesse que escolher só uma matéria, qual você escolheria?” Muito convicto, ele responde “Filosofia.”
Os balões tomavam conta do céu. Missão cumprida. A primeira parte dela, é claro.

“As crianças não precisam de ajuda, precisam de amor.” Osho

4 comentários:

Sonja Paskin disse...

Me peguei sorrindo no final do texto.......

Kika Hamaoui disse...

Vem um sorriso de brinde!

Margareth Bravo disse...

Belo e poético trabalho!Eu diria também que a loucura é um tipo de genialidade. Parabéns! Peguei meu brinde também! beijinhosss

Kika Hamaoui disse...

Que bom, seja bem vinda! :)